Praemeditatio de Sêneca

Os sábios cada dia com o pensamento...

Nenhuma dádiva da Fortuna nos pertence de fato.

Nada seja público ou privado é estável; os destinos dos homens, assim como os das cidades, estão sujeitos a um turbilhão.

Qualquer edificação que tenha levado anos para ser erguida, à custa de grande sacrifício e graças aos préstimos dos deuses, pode desperçar-se ou desfazer-se em um único dia. Não aquele que disse “um dia” exagerou, concedendo um prazo longo demais para um revés repentino: uma hora, um átimo, é o bastante para promover a queda dos impérios.

Com que freqüência cidades da Ásia, com que freqüência cidades da Acaia foram destruídas por um único tremor de terra? Quantas aldeias na Síria, quantas na Macedônia foram engolidas? Quantas vezes devastações deste tipo deixaram o Chipre em ruínas? Vivemos em meio a coisas que estão, sem qualquer exceção, destinadas a morrer.

Mortal você nasceu; mortais você dá a luz.

Não se surpreenda com nada, espere tudo.

Esta passagem retirada do livro de Alain De Botton, em “As Consolações da Filosofia”, citada pelo filósofo Sêneca tem por objetivo não amedrontar o ser humano, mas torna-lo um ser cauteloso e humanista a partir das reflexões que nos são apresentadas. Na filosofia antiga, Sêneca, teve uma vida aparentemente estável, até o momento que sofreu inúmeras condenações.
Para ele, só atingimos a sabedoria plena quando aprendemos a não agravar a inflexibilidade do mundo com nossas reações, nossos ataques de raiva, autopiedade, ansiedade, amargura, hipocrisia e paranóia.

Uma única tese permeia toda sua obra: suportamos melhor as frustrações para as quais nos preparamos e que compreendemos e que somos atingidos principalmente por aquelas que menos esperamos e não conseguimos entender. A filosofia deve nos harmonizar com as reais dimensões da realidade, e desta forma nos poupar, se não da própria frustração, da panóplia de emoções que a acompanham.

Se não insistimos no risco de uma tragédia súbita e pagamos um preço por nossa inocência, é porque a realidade abrange duas características cruelmente nebulosas: de um lado a confiabilidade e a continuidade subsistem através das gerações; de outro cataclismos imprevistos. Vemo-nos divididos num convite razoável para crer que amanhã será praticamente igual à hoje e a possibilidade de sermos surpreendidos aterrorador depois do qual nada será como antes. Como recebemos características muito fortes para negligenciar a segunda característica, Sêneca invocou a deusa. Adentraremos agora a um pouco da mitologia grega.

Essa deusa costumava ser encontrada no verso de muitas moedas romanas, segurando uma cornucópia em uma das mãos e um leme na outra. Era bonita, geralmente vestia uma túnica vaporosa e ostentava um sorriso recatado. Seu nome era Fortuna. Surgiu primeiramente como a deusa da fertilidade, a primogênita de Júpiter, e era homenageada com um festival em 25 de maio e com templos por toda a Itália, visitada por mulheres estéreis e fazendeiros em busca de chuva. Mas aos poucos seus poderes foram ampliando e ela passou a ser associada ao dinheiro, à ascensão social, ao amor e à saúde. A cornucópia era um símbolo de seu poder de conceder favores; o leme, símbolo de seu poder mais sinistro de mudar o destino. Ela era capaz de distribuir presentes e, em seguida, com rapidez assustadora, mudar o destino do leme, mantendo seu sorriso imperturbável, observando-nos morrer engasgados com uma espinha ou desaparecer em um deslizamento de terra.
Como somos atingidos principalmente pelo que não esperamos e como devemos estar à espera de tudo (“Não existe nada que a Fortuna não ouse fazer”), devemos, segundo nos sugeriu Sêneca, ter sempre em mente a possibilidade de um inesperado.

(...) o que é o homem? Um receptáculo delicado que a mínima sacudidela, a mais leve queda pode quebrá-lo... Um corpo débil e frágil, nu em seu estado natural indefeso, dependente de ajuda alheia e exposto a todas as afrontas da Fortuna.”(Sêneca)

Apesar de suas raízes religiosas e não filosóficas, a deusa Fortuna funcionava como uma imagem perfeita para que tivéssemos sempre em mente nossa constante exposição aos acidentes de percurso, e para maior tranqüilidade, concentrássemos uma variedade de ameaças em um único inimigo terrível e antropomórfico.

Sempre que alguém age corretamente, mas ainda assim, sofre uma desgraça, instala-se em seu espírito um espírito de incredulidade, vendo-se incapaz de adequar o acontecimento a um esquema de justiça. O mundo lhe parece absurdo. A pessoa apresenta uma alternância de sentimentos: julga ser, ou ter sido mal e, portanto, foi punido; ou crê firmemente que é bom e, por conseguinte, deve ter sido vítima de um fracasso catastrófico na administração da justiça. A crença de que o mundo é fundamentalmente justo está implícita na queixa de que houve uma injustiça.

Para finalizar, reflita sobre célebres mensagens que de alguma forma se correlacionam a esta característica filosófica:

“A vida passa rápido demais. Não importa quanto você viva, mas como abraça a vida.” (Francis Ford Coppola)

“É preciso paixão para tudo na vida. Sem paixão as pessoas passam pela vida como folhas secas no chão, não marcam presença”. (Ênio Silveira)

“A maior felicidade do ser humano é libertar-se do medo”.(Walter Rathenau)

“Felicidade é ter a certeza de que nossa vida não está se passando inutilmente”.(Érico Veríssimo)

“A mudança não é algo exclusivo de alguns homens, mas dos que a escolhem” (Paulo Freire).

“Sempre é difícil nascer. A ave tem que sofrer para sair do ovo, isso você sabe. Mas volte a olhar para trás e pergunte a si mesmo se foi de fato tão penoso o caminho. Difícil apenas? Não terá sido belo também? (Herman Hesse)”.

“O fim exterior e remoto deu, sempre muita pressa em terminar. Na aula se deseja terminar a hora da aula, depois terminar o trimestre, terminar o ano, terminar o curso. A única meta é terminar e assim se desperdiça a vida. É como se vivêssemos só para morrer. O fim da vida é ela mesma, não o seu término ou terminação alheia a ela. O fim da vida é o que fazemos com ela e nela.”( G. Clrigllano)

“Não há vida sem morte, como não há morte sem vida; mas também há uma morte em vida e a morte em vida é exatamente a vida proibida de ser vivida”.(Paulo Freire)

Diego Buffolo Portinho